O editor neotropicalista é a encarnação do ideal do “criticar aderindo e aderir criticando”.Vai a todas a festas, mas se sente como um antiburguês no meio dos burgueses, um subversivo que esparrama graxas avançadas nas engrenagens da estrutura.
Por conhecer ligeiramente a tradição (tal como seu papai lhe ensinou), julga-se um pensador intuitivo das contradições do “ser Brasil no mundo”, confortavelmente protegido por sua identificação sincera com os padrões de consumo vigentes. Quando lhe pedem uma opinião sobre arte, o editor neotropicalista diz detestar os juízos frankfurtianos sobre a “forma-mercadoria: falação apocalíptica e que não deixa ver as conquistas atuais”. Mas afirma ter ódio ainda maior aos que usam a expressão luta de classes. O editor neotropicalista recebe seu honorários em dinheiro, mas não recusa, apesar do sorriso irônico, pagamento em espécie. Quando partilha da concordância de seu chefe, arruma trabalho para os amigos. Quanto a isso, ninguém pode lhe acusar de falta de caráter.
O crítico onanista pratica a antiga ciência dos gêneros. Para ele, os filmes não são sobre o mundo, mas sempre sobre outros filmes. Daí seu desespero quando não identifica fontes, quando não reconhece filiações ou citações. Esse sentimento logo é convertido em raiva desqualificatória porque fere o fundamento de seu prazer, a demonstração de sua autoridade. O crítico onanista, à parte ser um engavetador, vê no cinema a chance de partilhar da intimidade de atrizes mais ou menos famosas. Por isso sempre faz questão de mencionar detalhes dos bustos e bocas, momentos em que seu texto salta da generalidade à particularidade mais extremada. O crítico onanista procura pôr-se como sujeito nessas demonstrações de interesse, de modo a parecer sexualmente ativo. Todos os anos ele espera ardorosamente ir a festivais como Cannes e Berlin, onde pode – nas entrevistas coletivas – se aproximar daquelas mulheres e lançar-lhes uma perguntinha maliciosa.
O cronista anticomunista não é apenas uma criatura mas uma legião. Assume diversas manifestações, como um daimon multiforme. Pode ter mais de 60 anos de idade, cabelos longos, habilidade em falar em público. Nessa versão ele se torna o ex-militante de esquerda que reescreve cotidianamente suas memórias do ponto de vista da emancipação de um credo juvenil que no fundo só servia para conquistas amorosas. Aos gritos, ele nunca mente sobre si: todo seu passado era puramente “credo ideológico”, e toda sua prática intimista, literária, romântica nos piores sentidos dessas palavras. No ajuste de contas com as mentiras de antes, que eram apenas dele, não do conjunto de sua geração (coisa que o irrita e, portanto, não admite), ele mente sobre o mundo. Mas ao mentir sobre o mundo, diz a verdade sobre si. Passa o dia nesse vai e vém entre seus tempos. A segunda encarnação do Cronista Anticomunista está próxima dos 50 anos. É um tipo sem drama. Com um relógio caro e calçado de tênis, ele representa a farsa do intelectual que proclama o direito ontológico de se dizer Conservador. Evoca, inclusive, uma tradição bibliográfica que vai do século 18 às atas do Tea Party. Mais do que tudo, ele tem o senso do negócio: seus textos divulgam sua marca de profeta da Reação, o que lhe permite cobrar bem caro depois pelas palestras. É com certo charme grosseiro que ele aproxima Escolástica e conselhos machistas para madames, numa junção que libera o vale tudo, tão em moda, e lhe garante uma circulação de alta classe por camas úteis. A terceira e última encarnação do Cronista Anticomunista ronda os 30 anos. Apesar de mais jovem, é a figuração mais velha: alinha-se ao Liberalismo filosófico clássico em sua versão de “redação de jornal”, no estilo seco da crônica de rodapé dos anos 50. Aparentemente mais racional, sua pregação, sempre retórica, é mais fina ao esconder o pregador por trás do parecerista técnico. Nessa objetivação de fachada, ele anuncia em si próprio uma criatura em extinção, o sujeito humanista. Mas aqui, como nos outros casos, o que vemos são apenas fantasmas: circulando, circulando.